quarta-feira, 25 de março de 2009

Estado Comteporânio


I. Estado de direito e Estado social.

Uma definição de Estado contemporâneo envolve numerosos problemas, derivados principalmente da dificuldade de analisar exaustivamente as múltiplas relações que se criaram entre o Estado e o complexo social e de captar, depois, os seus efeitos sobre a racionalidade interna do sistema político. Uma análise da difícil coexistência das formas do Estado de direito com os conteúdos do Estado social. Os direitos fundamentais representam a tradicional tutela das liberdades burguesas: liberdade pessoal, política e econômica. Constituem um dique contra a intervenção do Estado. Pelo contrário, os direitos sociais representam direitos de participação no poder político e na distribuição da riqueza social produzida. A forma do Estado oscila, assim, entre a liberdade e a participação (E. Forsthoff, 1973).

Além disso, enquanto os direitos fundamentais representam a garantia do status quo, os direitos sociais, pelo contrário, são a priori imprevisíveis, mas hão de ser sempre atendidos onde emerjam do contexto social. Daí que a integração entre Estado de direito e Estado social não possa dar-se a nível constitucional, mas só a nível legislativo e administrativo.

A estrutura do Estado de direito pode ser, assim, sistematizada como:
a) Estrutura formal do sistema jurídico, garantia das liberdades fundamentais com a aplicação da lei geral-abstrata por parte de juizes independentes; b) Estrutura material do sistema jurídico: liberdade de concorrência no mercado, reconhecida no comércio aos sujeitos da propriedade; c) Estrutura social do sistema jurídico: a questão social e as políticas reformistas de integração da classe trabalhadora; e d) Estrutura política do sistema jurídico: separação e distribuição do poder (F. Neumann, 1973).

As mudanças ocorridas na estrutura material e na estrutura social do sistema jurídico foram origem das transformações a nível formal e político.

II. O capitalismo organizado.

Pelos fins do século XIX e início do século XX, ocorreram transformações profundas na estrutura material do Estado de direito, havendo sido radicalmente alterada a forma da livre concorrência de mercado. Na Alemanha, por exemplo, este momento de transformação se verificou depois dos anos 70, sendo favorecido por algumas tendências: a) a introdução de tecnologia avançada; b) a preferência dada às grandes empresas; c) a formação planificada de "capital humano''; a afirmação de um nacionalismo econômico como ideologia de desenvolvimento; a legislação liberal dos anos 70 — o novo direito industrial, bancário, comercial, acionário e da Bolsa —, que criou para tal desenvolvimento um quadro institucional considerado vantajoso pelos representantes dos bancos e das empresas (H. U. Wehler, 1974). A forma da propriedade também mudou, tornando-se disponível através das ações da Bolsa.

Na visão marxista, esta mudança profunda é que levou à formação do capital social conjunto (Gesamtkapital), que consiste na concentração do capital industrial e na subsunção por este do capital comercial, com o fim de reduzir os tempos de circulação em que permanece fixo, improdutivamente, o valor que tem de ser realizado.

A presença de fortes concentrações industriais converteu-se em presença de um grupo de pressão, capaz de influir na política interna, como o demonstrou, por exemplo, na Alemanha, a formação de uma política de proteção aduaneira.

III. O poder legal-racional.

A uma sociedade estruturada com base nos automatismos do mercado corresponde a um certo tipo de poder, que Weber define como legal-racional, e um certo modo de transmissão dos comandos concretos. Poder é a possibilidade de contar com a obediência a ordens específicas por parte de um determinado grupo de pessoas. O poder do Estado de direito é racional quando, escreve Weber, "se apóia na crença da legalidade dos ordenamentos estatuídos e do direito daqueles que foram chamados a exercer o poder". Assim, a fé na legitimidade se resolve em fé na legalidade, e a legitimação da administração que transmite o comando político é uma legitimação legal. A lógica desta racionalidade administrativa é própria do Estado de direito; como execução da lei geral, ela se desenvolve segundo um esquema do tipo "se. . . então". N. Luhmann leva até às últimas conseqüências as premissas weberianas e, dentro de um esquema sistemático, apresenta a hipótese de um tipo de legitimação que se operaria através do processo eleitoral, legislativo, judiciário e administrativo (Legitimation durch Verfahren).

IV. O PROBLEMA SOCIAL DO ESTADO CONTEMPORÂNEO.

A "questão social" que eclodiu na segunda metade do século XIX colheu de surpresa a burguesia, impondo-se-lhe como o problema principal a que ela devia fazer frente e que ainda continua sendo o problema sem solução do Estado moderno.

Em 1601, na Inglaterra, foi promulgada a Poor Law; mas esta lei, que instituía uma taxa para os pobres e um sistema de subsídios em dinheiro, constituiu mais uma tentativa de eliminação dos pobres do que de eliminação da pobreza. Toda comunidade que tinha de prover ao sustento dos seus pobres procurou, na realidade, expulsá-los e deixar entrar o menor número possível. O fim das corporações foi levada avante pelas sociedades de socorro mútuo, às quais cabiam também atribuições previdenciárias. Ao fim, a previdência social se impôs como uma necessidade em face dos riscos acarreados pela Revolução Industrial, que trouxe aos trabalhadores condições de maior pobreza e os relegou em vastos aglomerados urbanos, privados dos laços de solidariedade que encontravam na comunidade rural. Assim a "questão social", surgida como efeito da Revolução Industrial, representou o fim de uma concepção orgânica da sociedade e do Estado.

Impôs-se, em vez disso, a necessidade de uma tecnologia social que determinasse as causas das divisões sociais e tratasse de lhes remediar, mediante adequadas intervenções de reforma social. Se a Inglaterra, já antes de 1900, tinha posto em prática uma avançada legislação da atividade fabril, a Alemanha de Bismarck, em vez disso, levou a cabo uma articulada série de intervenções, visando pôr em ação um sistema de previdência social que viria a concretizar-se entre 1883 e 1889, com os primeiros programas de seguro obrigatório contra a doença, a velhice e a invalidez.

A obra de Bismarck encontrou firme apoio na Constituição, em 1873, do Verein für Sozialpolitik, fundado por G. von Schmoller, que reunia "sob uma mesma bandeira todos aqueles que, concordes sobre a urgência de reformas sociais e prontos a trabalhar por elas, estavam decididos a meter mãos à obra, com plena convicção".

Por este caminho se começou a abrir, dificultosamente, uma alternativa ao liberalismo: nasceu, de fato, em fins do século XIX, o Estado interventivo, cada vez mais envolvido no financiamento e administração de programas de seguro social. Em 1889 cria-se a lei que instituía pensões de invalidez e velhice, aprovada na Alemanha. Depois, os seguros sociais, que se tornaram também extensivos a outras categorias de trabalhadores, e não só aos operários.

V. O ESTADO FISCAL.

R. Goldscheid pôs em relevo a tendência histórica a um progressivo empobrecimento do Estado, já que a burguesia conseguiu criar um Estado dependente, no que respeita à disponibilidade financeira, às suas concessões. Se na época do Estado absoluto os que detinham o poder representavam igualmente o Estado, e a riqueza do Estado era a sua riqueza, na época do Governo constitucional, ao contrário, o Estado e a propriedade se separaram. Esta separação originou a dependência — a dependência fiscal — do Estado à sociedade. O problema do Estado parece ser, nesse caso, o da sua "recapitalização", baseada nos impostos fiscais, ou seja, o da acumulação e concentração de capital de propriedades públicas, que permitirá a solução dos mais urgentes problemas sociais. Assim, a ciência das finanças culminaria numa teoria da propriedade pública. As finanças públicas começariam assim a adquirir um papel central na análise do Estado, uma vez que nelas se sintetiza a relação do "político" com a sociedade civil ("todo problema social é um problema financeiro", escrevia Goldscheid no início deste século).

Trata-se, pois, de definir, de um lado, a extensão permitida à imposição direta e de analisar, do outro, as possibilidades concretas de constituição e desenvolvimento de um Estado empresarial, capaz de dirigir empresas públicas: mas isso deixa entrever uma crise na lógica que preside à forma-mercado. O Estado fiscal se encontra perante dois limites: o primeiro representado pela natureza do objeto fiscal (em virtude da qual a imposição direta pode gravar mais a renda e o capital monopólico do que a empresa concorrencial) e pelos vínculos da manutenção de uma economia livre; o segundo constituído pela possibilidade de um incremento incontrolável da demanda de despesas públicas, capaz de motivar o colapso do Estado fiscal.

VI. A teoria marxista do Estado.

Na recente teoria marxista, o Estado é concebido como uma dedução (Ableitung) da lógica da valorização do capital. O enfoque metodológico geralmente seguido nestes processos dedutivos é "genético" e "funcional": genético, quando se indaga a origem histórica das funções do Estado, que está nos conflitos entre as classes sociais ou na contradição que opõe os diversos setores do capital; funcional, quando se verifica se as tarefas historicamente criadas, a que o Estado deve presidir, resolvem-se ou não numa relação de funcionalidade com os processos de valorização da estrutura capitalista.

Distinguem-se quatro funções fundamentais entre as desempenhadas pelo Estado contemporâneo: a) criação das condições materiais genéricas da produção (infra-estrutura); b) determinação e salvaguarda do sistema geral das leis que compreendem as relações dos sujeitos jurídicos na sociedade capitalista; c) regulamentação dos conflitos entre trabalho assalariado e capital; d) segurança e expansão do capital nacional total no mercado capitalista mundial (E. Altvater, 1979).

Se A. Smith e D. Ricardo limitavam as funções do Estado à manutenção das instituições militares, policiais, educativas e judiciárias, deixando o resto ao "natural" desenrolar da lógica do mercado, as funções acima delineadas expressam, ao invés, claramente a presença do Estado no processo de acumulação.

Do ponto de vista marxista, este processo se explica pelo progressivo aumento da complexidade do processo de produção: o desenvolvimento capitalista se tornou mais dependente da ciência e da técnica, a divisão do trabalho se acentuou ainda mais e os serviços laborais se tornaram mais especializados. O setor rebocador do desenvolvimento econômico — o do capital monopólico — exige crescentes investimentos infra-estruturais (capital social, segundo O' Connor) no campo da pesquisa e do desenvolvimento, nos transportes e na qualificação da força-trabalho.

A intervenção do Estado adquire assim um sentido preciso, já que tende a socializar, isto é, a impor a toda sociedade civil o peso da valorização exclusiva do setor econômico mais desenvolvido. Por este meio, o Estado fornece uma cota de capital constante, que contribui para frear a queda da taxa média de lucro. Está aqui a origem daquele aumento da despesa pública que já A. Wagner punha em evidência no início do século, ao formular teoricamente a "lei do crescimento da atividade estatal" (Das Gesetz der zunchmenden Staattätigkeit, in Handwörterbuch der Staatswissenschajten, vol. 7, 1911).

A crescente integração de Estado e sociedade civil — ou seja, a extensão das políticas tendentes a assegurar o equilíbrio dos interesses emergentes — encontra na análise das despesas públicas o instrumento privilegiado da pesquisa, destinada a esclarecer o alcance e resultado da estreita articulação do Estado e da sociedade. Mas a análise da política não é ainda a análise do político, ou seja, das estruturas institucionais do Estado. Contudo, partindo do fundamento da política, poder-se-ão indagar as transformações históricas do político e seu nível de adequação funcional à nova complexidade da sociedade civil.

VII. A CRISE DA PLANIFICAÇÃO POLÍTICA.

O consolidar-se de uma sociedade complexa altera os princípios fundamentais do Estado de direito. A complexidade é conseqüência, por um lado, da diversificação do aparelho produtivo em três setores (monopólio, concorrencial e estatal) e da conseqüente segmentação do mercado de trabalho; por outro, da multiplicação de aspirações, necessidades e comportamentos no campo da reprodução da força-trabalho, a que há de corresponder uma ação política profundamente diversificada. Ao tradicional aparelho político-representativo do Estado agregam-se assim funções econômicas, orientadas à valorização dos diversos setores do capital, ou seja, do capital global, e funções sociais, tendentes a assegurar, através das várias formas da política social, a integração da força-trabalho no equilíbrio do sistema político-econômico.

Esta mudança de conotações nas relações entre "político" e "econômico" foi a origem da crise dos princípios fundamentais do Estado legislativo de direito: a) do princípio da supremacia do poder legislativo; b) da legalidade da atividade executiva do Estado, que há de dar-se segundo as formas preestabelecidas da lei universal e abstrata; c) do controle de legitimidade, isto é, da conformidade com a lei, exercido pela atividade judiciária.

Impõe-se, assim, a consolidação de um centro de poder administrativo-industrial que vai esvaziando as formas tradicionais do sistema político representativo burguês. O princípio da preeminência do poder legislativo surge aqui destituído de fundamento, visto haver ocorrido um desvio do poder do Parlamento para o aparelho burocrático e a autonomia do executivo. Esta transformação se explica pela necessidade de criar estruturas organizacionais e formas de intervenção flexíveis, livres das rígidas formas normativas do Estado de direito: isto representa a crise da legalidade da atividade executiva, cada vez menos condicionada pela forma da lei e cada vez mais desempenhada mediante procedimentos informais, subtraídos a qualquer controle de legitimidade.

VIII. O Estado de vigilância e controle.

Se as funções do Estado com relação à estrutura econômica revelam subordinação da autoridade política à lógica dos processos produtivos, o desenvolvimento das formas do "político" com relação às necessidades de reprodução da força-trabalho parece, pelo contrário, diverso.

Pode-se assim, ter as funções tradicionalmente desempenhadas pelo Estado: 1) predisposição das condições materiais da reprodução (proteção do trabalho, segurança social, assistência sanitária, etc); 2) criação de motivações consentâneas com o processo do trabalho (dispositivos ideológicos, estabilização da família como agente essencial do processo de socialização burguesa); 3) regulamentação da oferta da força-trabalho (função intermediária do sistema de formação profissional, qualificação e requalificação, mobilidade, seleção, etc.) (Offe-Lenhardt, 1979). Estas funções mostram claramente como a intervenção do Estado é sempre complementar à permutabilidade da força-trabalho como mercadoria de mercado. É verdade que o capitalismo "libertou" a força-trabalho, mas não definiu a qualidade e quantidade de trabalho que há de entrar no processo de produção; é esta regulamentação, precisamente da incumbência do Estado.

De fato, o cumprimento das funções estatais que interferem no processo de produção dá-se mediante a expansão de um tipo de trabalho concreto, remunerado com a renda e não com um salário: um trabalho cujo produto não é mercadorias, mas resultados precisos, valores de uso que são consumidos e não trocados no mercado.

Portando, evidenciou-se dois desenvolvimentos: o primeiro, patenteado na relação estrutura produtiva-segmentação da administração, da qual deriva a impossibilidade do plano político; o segundo, constituído pela expansão, dentro do aparelho estatal, do trabalho concreto, e, dentro do mercado de trabalho, pela nova composição e pelos novos comportamentos da força-trabalho, que abrem caminho à crise da motivação do indivíduo e à crise da legitimação do poder político.

IX. OS CRITÉRIOS DA RACIONALIDADE ADMINISTRATIVA. A "POLITICIZAÇÃO" DA ADMINISTRAÇÃO.

A progressiva subtração da reprodução da força-trabalho ao controle social cria o problema de um novo assentimento às políticas de intervenção do Estado. De fato, a racionalidade weberiana, que é a racionalidade do Estado de direito, é incompatível com a nova racionalidade, que tem de compor as solicitações do ambiente com a lógica legal-racional do sistema político.

X. Legitimação por procedimento.

Também Luhmann reconhece a tendência da administração para a "politicização", apresentando-a como desenvolvimento contraditório no seio do sistema político.

Este sistema se subdivide, segundo Luhmann, no subsistema dos partidos e no subsistema administrativo, que compreende o legislativo, o executivo e o judiciário.

As categorias fundamentais do pensamento politológico de N. Luhmann são as de complexidade e contingência. Complexidade é o conjunto das possibilidades de ação que se abrem ao indivíduo numa sociedade de capitalismo maduro; contingência é o âmbito das possibilidades de ação "limitadas" ou permitidas ao indivíduo. O sistema político "reduz" a complexidade do sistema social, com o fim de garantir a própria "estabilidade". Segundo N. Luhmann, é o "político", por exemplo, que define os "temas" sobre os quais se deverá formar a opinião pública; mas é sobretudo o poder político que orienta a ação social, controlando e transmitindo as informações necessárias para agir de um extremo a outro do sistema social ("poder como comunicação", N. Luhmann, 1979).

Estas intervenções do "político" hão de ser legitimadas, e isso acontece mediante quatro procedimentos (eleitoral, legislativo, administrativo e judiciário) (Luhmann, 1969). Os procedimentos são "sistemas sociais de natureza particular, criados para a elaboração de decisões obrigatórias" (Luhmann, 1977, p. 259).

O que caracteriza os procedimentos é a sua autonomização quanto à complexidade social reduzida pelo sistema político. Comporta conseqüências como: o abandono de categorias como a da representação, já que não se trata, segundo Luhmann, de traduzir no âmbito do sistema político a complexidade social, mas antes de a reduzir.

XI. O Estado de segurança nacional.

Luhmann também reconhece as dificuldades cada vez mais insolúveis que a legitimação por processo encontra, dado que o procedimento administrativo é cada vez menos o que leva a efeito as diretrizes políticas. É cada vez mais freqüente o poder-meio de comunicação encontrar blocos ou fontes de poder já impossíveis de controlar, com os quais tem de estabelecer uma nova forma de coexistência, algo assim como um tipo de "politicismo localista, baseado na especificidade de determinados minissistemas" (N. Luhmann, 1979, p. 113).

A irredutibilidade da complexidade social cria uma dialética nova dentro do sistema político. A escapatória do filtro político, representado pelo sistema de partidos, esvazia o regime parlamentar da possibilidade de assegurar a lealdade de massa e remete a legitimação do "político" a procedimentos não legais. Contudo, o peso que recai, assim, sobre o Estado administrativo, ou seja, sobre o Estado de segurança social, parece excessivamente gravoso: que tira a eficácia à política social do Estado.

O sistema político deve então assumir outra função, a da tutela da Constituição, estabelecendo quem lhe é favorável e quem é desfavorável, isto é, sobrepondo uma instância de superlegalidade política aos princípios constitucionais. Um sistema de superlegalidade pode, pois, sobrepor-se ao da legalidade, à liberdade individual, isto é, ao sistema do Estado de direito.

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